quarta-feira, abril 28, 2010

Maria, Maria, luz da noite e estrela do dia (Primeira parte)


Porque as linhas que se interceptam e se cruzam em espirais ate que se quebrem de tão próximas são apenas linhas... E os corações que se partem e se colam e se partem para se colarem de novo, não se partiriam se o objeto amado nao partisse. Se colam enquanto se calam ou por faltarem as palavras ou por ser o silencio a melhor solução, o que dá no mesmo no fim das contas.

Assim pensava ela, mas não sabia porque pensava. O que poderia saber de destino? Tinha uma vaga ideia de amor, pensava ser como as manhãs de domingo comendo pipoca na praça enquanto a missa demorava a comessar e a sua pele escura ardia no sol. Amor de familia, de amigo, de companheiro... não sabia que existia, só sabia que os corações eram frágeis e que as linhas do destino se separavam ou se uniam, mas quem as tecia na teia do universo não sabia... Deus não podia ser costureiro, ora!

E o coração se partia quando chegava as tardes de domingo, as pessoas vinham, viam-na, mas não paravam, não falavam, não riam dos seus sorrisos - não era feia, é bem verdade, mas era negra... Se isso era defeito não sabia, só sabia que era escura como a noite e era na noite que os maus pensamentos vinham: obra do diabo, o pai da escuridão, segundo ouviu um dia. Por isso se odiava ao se olhar no espelho, seu cabelo era crespo como esponja que dá em pé e isso era motivo de riso entre as demais meninas.

Mas nos domingos de manha, como mágica voltava a sorrir, só por ser de manha, só por comer pipoca, só por existir, só por passear! E a tarde vinha, as pessoas chegavam e algumas meninas iam... Outras ficavam por chorar, ou por saudade, ou por inveja, ou por simples desabafo de mais uma semana naquele lugar chamado Orfanato Maria de Lurdes. Seu nome? Maria. Maria de que? Maria ainda, só Maria! As pessoas riam sim, mas iam ver a menina que pintava flores do outro lado e ela ficava encostada esperando alguma alma bondosa.

Solidão, solidão... acumulavam-se os dias! As horas demoravam e ela conversava sozinha enquanto fazia as tarefas que a ela eram estipuladas. Não sabia o porque, mas era a ela que davam as tarefas mais árduas. Era a ela que faltava o travesseiro. Era a ela que chamavam maria escura. Mas o porque não sabia, a vida era um não saber... E nem disso ela sabia, achava que ja tinha vidido muito e que conhecia muitas coisas. Ja sabia, por exemplo, coser e cozinhar, sabia contar nos dedos e rezar o terço quantas vezes fosse preciso!

O que não sabia não era interessante e por isso tratava de esquecer imediatamente. Raramente, porém dava-se o luxo de se questinonar, ou melhor questinoar a boneca que foi dada no ultimo natal por alguem a quem ela nao tinha passado despercebido, mas esse alguém nunca mais havia voltado, e o coraçãosinho de criança se partira... mesmo, mesmo. Por isso descontava na boneca todas as suas angustias, as vezes arrancava os seus cabelos loiros quando ela não respondia.

Mas nunca mais a boneca Clara havia dito uma unica palavra, também ja estava quase careca e os seios de maria escura ja comessavam a aparecer no vestido. Disseram uma vez que menina moça não conseguia família, por isso andava curvada tentando ao máximo esconder seus doze anos, e toda vez que pensava nisso desejava não ter crescido, ou quem sabe não ter nascido... O que salvava suas alegrias era o sabado a noite, quando dormia feliz por ser o ultimo dia antes das horas ensolaradas antes da missa.

E assim, filha de zé ninguém com dona fulana, não tinha beijo de boa noite, nem nunca ouviu um "eu te amo". Sentia um vazio, mas não sabia de que... E vazios são sempre roxos e frios quando não são preenchidos por nada, nem que seja por ódio, mas isso ela também nao conhecia.