quarta-feira, setembro 29, 2010

Mudança


Os pedaços de saudade como vidro quebrado, os riscos na parede, os adesivos na fechadura, a janela emperrada, o cheiro forte de sol quente: Coloque todos na caixa usada de eletrodoméstico.
Fotografe os cantos limpos, guarde os cantos sujos e escuros na memória. Ache antigas cartas de amizade indefinida, antigas desculpas, velhas recomendações de namoro à distância de distantes anos.
Mas não, não se esqueça das músicas... Leve-as consigo, se possível, no bolso da camisa no lado do pulmão esquerdo. Viva as antigas músicas como filme preferido que de repente passa na sessão da tarde em véspera de prova de física com todas as suas pilhas de assuntos acumulados. Lembre-se das pessoas. Leve algumas junto com as músicas; para as outras, naturalmente, existe o saco plástico azul. Mas guarde, até mesmo estas, no lugar que lhe sobrar da memória.
Conte mais uma vez os degraus dos nove andares, ritualmente como fez em outros tempos. Torça para que chova! E só então mude. Mude-se. Mudo. Quase telepático.(..)

domingo, setembro 26, 2010

Soundtrack lá lá


Duas pedras no meio do caminho conversavam:
-Paaaarece mágica!
-Eca! Mas isso não é calcinha preta?
-É.
-Você deveria ouvir Radiohead!
Não satisfeita, a pedra número dois continuou seu ritmo de salvação e bondade:
-Procure ouvir a batida que envolve lá lá bem distante (Porque nós, pedras, somos o acidente esperando para acontecer... Quem sabe um tropeço e pimba! Lá lá se foi o acidentado).
-Sinta os pulmões de ferro se enchendo daquilo que um dia precisará... E são e salvo, idioticamente, cante o hino dos hinos. Mas não se esqueça que as falsas árvores de plástico não morrem, mas também não produzem oxigênio.
-Olhe, apenas quinze passos o impedem de perceber que os quebracabeças caem em seu devido lugar, ao pé do que diz a letra até. Ou então apenas balance a cabeça e desvende o mistério: Eu sou uma aberração, um verme esquisito ou 2 + 2 =5?
E a pedra número um nunca mais foi a mesma.

quinta-feira, setembro 23, 2010

Caso de matemática às 23 horas


Disseram que zero sobre zero pode ser qualquer número, qualquer coisa. E que isso ultrapassa a matemática e cai nos ramos da filosofia. Mas então porque nos testes eu não recebo zero sobre zero no lugar da elipse vazia a quem chamados de nota ou ovo que não se sabe se veio primeiro ou depois da própria galinha?
Por que as linhas e a caneta falha me chamam toda noite nesse lugar comum que chamo de caderno? Lugar comum não seria a própria cama a essa hora? Zero sobre zero para a cama, para a caneta, para o caderno, para a pálpebra, para a matemática e para a filosofia.
Zero sobre zero que é tudo e que é nada. Que é o que não existe e o que eu já falei que existia. Zero sobre zero que eu não consigo dormir!
Zero sobre zero que eu estou preoculpado!
P.S.: Insônia é também zero sobre zero! E quando o limite da tolerância tende ao ovo-zero, tanto faz o infinito positivo ou negativo.

quarta-feira, setembro 22, 2010

Caso de Inflamação


Acordei e escorria um líquido amarelo-verde da minha unha do dedão do pé esquerdo. Lembrei-me então que faz uns dois dias havia nascido uma espinha enorme no lado direito do meu nariz, como um pircing ou zíper para o lado de dentro do corpo... E ao me olhar no espelho, a espinha estava igualmente amarela. Era a inflamação! O pus da carne e o alerta de que algo não estava bem, ao ponto de explodir a qualquer instante como uma bomba escondida ou mentira bem contada.
Depois de alimentado e devidamente arrumado, parti para a mesmice de manhã de quinta-feira, sem muitos planos, só com o fone de ouvido a guiar os passos e os pensamentos. Os pés seguiam a melodia enquanto a alma decodificava as palavras em energia para abrir de verdade os olhos ainda sonolentos ou qualquer outra coisa produtiva.
Foi quando ouvi algo que me soou muito estranho. A voz rouca do aparelho falava de paixão, de estar disponível em arrepios e esperas, em prometer mudanças, de fazer concessões. Todos aqueles versos importados da gramática inglesa me pareiam verdadeiramente inflamados... A própria palavra paixão tinha inflamado os pensamentos a alguns poucos dias.
Então confundi a música amarela com o sinal de trânsito e quase me arrancavam as pernas despertando um barulho de pneu nas linhas pontilhadas de inflamação no asfalto. Aliás, distrações e diálogos metafísicos com os eus que convergem na divergência interior é luxo. Pelo menos é assim por aqui: Ou não se pensa em nada, ou lhe arrancam as pernas!
Voltando às calçadas de pedras desiguais e matos compreensíveis a se esquivarem na direção do sol, pensei não estar o amor inflamando ao se esquivar nos números do calendário. Mas não, como poderia? O amor não inflama, seu zé! Já é, por vida, amarelo-verde - Engano de quem pensa que ele é vermelho.
Foi quando alguns operários (não encontrei outra palavra para os descrever) carregavam um grande espelho em direção a uma casa de esquina muito bem apresentável. Ali, no vidro, não tinha mar, é verdade. Mas tinha céu, tinha árvores, pássaros, fumaça, pedras e edifícios de pedras espertas. E eram todos amarelos.
Ao me refletir, ainda que de relance, o espelho não mostrou nada além de uma mancha verde-amarelo como tinta que escorre ou acne explodida.
Eu segui então assim: Amareloinflamadopensante.

terça-feira, setembro 21, 2010

O HOMEM CRU - Esquecer, e avante!


Se perguntarem porque eu escrevo, eu direi, sem muitas surpresas, que escrevo porque desejo que as ideias se libertem em palavras que dificilmente seriam ditas. Ou que as que nunca seriam ditas possam ser tão comuns quanto as conversas de elevadores - o que no fundo dá a mesma coisa!
Mas se perguntarem porque dificilmente escrevo sobre aquilo que mais me intriga, direi que é porque temo que as coisas ditas se tornem reais, ou que retornem à realidade que as pariu.
E se, por insistência, perguntarem porque acredito em tais supertições tão íntimas e infantis, direi que há crendisse para tudo. Há os que crêem na vida, os que crêem que há vida na morte e os que crêem que a vida já é a própria morte...
Há os que pensam na sorte e crêem no azar, os que pensam no azar e crêem na sorte. Há os que crêem em Deus e há os que crêem na poesia. Para estes, a própria existência é a poesia... Mas a poesia não se limita à própria existência. É o que faz o indivíduo eterno ou João Brandão.
E se me perguntarem no que creio... Perguntarei eu desta vez: Ora, mas porque não procura o que fazer?

sábado, setembro 18, 2010

Lê-se como necessário for


lentamente caminharem velhas pessoas de casal um vi Hoje
entender para novos muito olhos meus os ser pensei Eu
?rápidas muito estavam pernas minhas que será Ou
rápidos muito dias em lento caminhar a velhos de casal um Havia
...bonito tão ser parecia contrário ao mundo Seu
morte a anunciam que articulações de tropeços aos andassem que Ainda
calçada na los-ultrapassá em me-apressei, então Eu
compreenção jovem minha a para demais contrário ao Era
Ou será o meu mundo que anda na velocidade errada?

quinta-feira, setembro 02, 2010

Acordes Temporais


Quem sabe eu esqueça,
Quem sabe eu reinvente a canção do dia
Às doze horas da manha ritualmente
Quem sabe me esqueça
Quem sabe me reinvente à doze da noite, habitualmente

Quem sabe as rimas sejam falhas
E a literatura prematura,
Ou quem sabe seja o pó do nada
De tudo aquilo que sobrou do tudo
Quem sabe?

Quem sabe conte histórias aos bisnetos
De um mundo em que se sonhava
Sonhava-se que os sonhos não eram sonhos
Ou quem sabe nem tenha bisnetos
Ou quem sabe já nem tenha sonhos

Ou quem sabe que se dane
Ou que se dane quem souber.
Os despertadores sabem e vivem tão mal...
Como se comessem as cinzas das horas
E bebessem da fuligem dos parafusos, quem sabe.

Canção dos dias


Uma vez uma dessas mulheres muito velhas, muito sujas, muito simples e muito sábias que estão a uma degrau acima de nós complicados aprendizes, falou-me para pedir sempre proteção à Mãe Rainha caso viajasse de madrugada. Seus profundos olhos azuis percorreram meu corpo e minha alma e com um toque de suas mãos muito negras pude notar a seriedade de suas palavras.
Então peço todos os dias à Mãe Rainha que me ilumine nessa viagem que é viver e que o Deus supremo sempre guie o carro do meu destino. Pois só ele conhece os buracos de acaso e todos os caminhos por onde correm o meu próprio sangue. Entrego-lhe, sim, todas as minhas escolhas em busca de um átomo de serenidade de seus espinhos.
E que nas madrugadas eu possa cantar a canção do dia
E que os dias possam cantar o que conto
Enquanto conto o que ouvi cantar