terça-feira, dezembro 13, 2011

loucura loucura loucura

 
   Descrever é diminuir, modificar, por fim. O próprio "eu te amo" quando dito já não ama, só traduz. Descrições corrompem, e as palavras são arbitrárias.
    Quando ela me olhou naquele sol, com aquele sorriso, protegida por aquele vento, quase a amei em segredo.
    Mas chega esse tal de Peirce e me diz que ela nunca me olhou naquele sol, com nenhum sorriso, me diz que não tinha nenhum vento. E acuado eu digo que não amei ninguém. É preciso proteger-se, e a loucura é tão amiga que nos convence de vez em quando!
    Mas o que eu digo agora, meus colegas? Disseram-me que essas coisas só se sentem, e que até os atos são outros atos de outras palavras até. Com as mãos para o auto, quase em um hijack americano, eu digo: eu sinto e penso, logo existo, ou logo mais codifico.
    Aí vem aquele Pessoa e me diminui, me modifica, bota um fim nessa conversa louca, me corrompe, me descreve e me traduz: "a parte que em mim sente está pensando."

E O CALOR VEM DESUMANO

 
   De repente aquela poeira invisível. Fica tudo meio branco, e os pés já não sabem bem por onde pisam. A barriga borbulha qualquer coisa que rima com: "Que é isso, camarada? Será que é dessa vez que vamos juntos comer capim pela raiz?"
   E eu digo, amigavelmente: "Deixa disso, é o verão, e os girassóis do fim do ano."

segunda-feira, dezembro 12, 2011

É DE AMOR QUE O MUNDO VIVE


    Não se engane, amigo, é de amor que o mundo vive. Sem amor à existência, não há vida. (Sim, é preciso amar para estar vivo, e muito mais amor para que se viva, de fato).
    Proponho, pois, um exercício de imaginação: suponhamos que todos os homens e mulheres se odiassem e odiassem a si mesmos. Não haveria entendimento, conversa, ou tempo para o que quer que seja. E então, pouco a pouco, não haveria ser vivo algum. Se não há amor entre eu e o outro, o que me impediria de, em um ataque de raiva ou súbita loucura, acabar logo de vez com esse ser que me olhou torto na fila do pão?
     E, então, sem amor, desapareceriam as filas, os padeiros, os pães, as placas, os sinais, os carros, desapareceríamos. 
     O mundo é mesmo relativo, amigo. O nojo para mim, é a delícia de outras bocas. O meu sol é a lua cheia de um chinês, o meu miojo é uma refeição inteira para quem não tem nada. Mas deixemos a poesia de lado, agora. 
     Nesse mundo de relativos, se faz necessário às vezes estigmatizar, diminuir, exaltar. O amor, caso se fale aos quatro ventos, ganha a conotação de afeto entre dois amantes. Sim, há amor entre duas pessoas que se relacionem. E há amor também nos bom dias, nas mãos que se apertam em um cumprimento, nas filas, nas aulas, nas desculpas, ou nos suspiros de contenção de raiva.
    Digo e repito, é de amor e de paz que vive o homem. É de amor que vivemos, e é de amor que o mundo vive.
    

domingo, dezembro 11, 2011

PRÓPRIAS CONSTELAÇÕES


     O tempo é mesmo o senhor do mundo, carrega e traz com o mesmo gosto. Não há nada perecível que conheça sua força, não existe nada de corruptível que não ame suas promessas.
     Um ano apenas. É o mesmo quarto. Mobília mesma, mesmos CDs, mesmos livros. Só o violão tem uma corda a menos.
     A preguiça está igual, ainda não há guarda-roupa. Só a janela encortinou-se. E o mesmo velho sol...
     A noite ainda é cheia de luz, as mesmas superstições. And the same old fears.   
     Só o menino está diferente. Um pouco mais de cabelo, um pouco menos nas laterais da testa. Algumas tantas constelações desfeitas, outras um pouco novas, um pouco firmes. E as mesmas estrelas sós, com as quais ele constrói todas as outras.

quinta-feira, dezembro 08, 2011

And if I lost the map, if I lost It all


    Quando eu liguei o rádio hoje, eu ouvi você dizendo oi. Melodia alegre, eu disse. When you are tired of racing, and you find you never left the start. Aí você ensaiou alguma coisa para dizer com os olhos. Mas, não sei, alguma coisa travou. Então me deu uns acordes com as mãos.
     Nós ficamos nos olhando. Ouvido com ouvido - de plástico, não se sabe o qual. E eu, na janela, ouvi você dizer que as coisas podiam ter sido outras, tantas, poucas, drásticas e lindas; em seus tempos e situações. Não fui eu que falei. 
     Mas então eu disse, na verdade eu tentei. By the way, huh? Proteção de faces nunca foi dos meus dons. Mas eram ouvidos agora, não eram? Eu te desejei mais uma vez tudo o que há de bom, com aquela dorzinha no peito de quem diz tchau pela centésima vez e o ônibus não chega. 
     Aí então tocou funk.

quarta-feira, dezembro 07, 2011

!


    Ônibus, as seis da manhã e da tarde. Casa pré-fabricada, um dia apenas. A lesão e a moleta. O jorro. Rispidez,  memória, esquecimento. Inquietação, mala pronta, uma vida inteira. Fumaça, escape, contra-mão. 115 visualizações. 18 anos e meio. Fotografia revelada.
     Suor, vermelho, azul e preto. Medo. Caixa vazia, mão no bolso e no peito. Um filme antigo, cheio de flashes sucessivos subliminares. Aposto, travessão e lágrima. Fala de gringo traduzida. Cultura nova, encaixotada. Caixa. Papelão, chuva, grosseria de gota.
     Pisca-pisca de cílio. Involuntariedade, cochilo. Pré. Pós. Para!
     Nem tempo, nem dinheiro. Ou isto, ou aquilo, ou tudo junto, em salada sem tempero.
     Sou breve.

segunda-feira, dezembro 05, 2011

O SISO E TODOS OS OLHOS

 
    Tem olhos bonitos, de modo que, sem espelhos, não tem beleza alguma. Os olhos não se olham, nem quando piscam. (E, meu Deus, como dói o siso!)
    Os outros olhos o vêem como alguém destemido, uma pessoa de decisão, até certo ponto sisuda. O que lhe dá uma pluralidade um tanto singular: é verdade, os próprios olhos, quando olham, enxergam-se nisso.
    Então eles piscam. Então não há planos - em um parecer assim disfarçado.
    E assim parece fugir das frustrações. (Meu Deus, como tic-taca o cérebro!)
    Logo os olhos se abrem de novo em uma fração incontável de tempo. Enxerga-se azul na água, verde de árvore grande, brilho amarelo de sol. (E o siso ainda dói, o cérebro tic-taca. Faz-se uns planos, arquiteta-se um esconderijo para a esperança).

quinta-feira, dezembro 01, 2011

GRAVIDADE


   Te conhecer, te explorar. E te contar qual o teu melhor ângulo.
   Tiro uma foto ou duas, te borrifo de sais de prata. Você me conta aquelas bobagens, e ri de uma forma engraçada, apertando um pouco o olho esquerdo.
   E então sorri para mim mais um pouco; me faz de bobagem por um tempo, depois me cobre de importância. E eu ando lento, aos pulos, sem me importar com a gravidade dos fatos.
   Me faz descobrir!
   Menina da cidade, qual é tua outra face?