
Acordei e escorria um líquido amarelo-verde da minha unha do dedão do pé esquerdo. Lembrei-me então que faz uns dois dias havia nascido uma espinha enorme no lado direito do meu nariz, como um pircing ou zíper para o lado de dentro do corpo... E ao me olhar no espelho, a espinha estava igualmente amarela. Era a inflamação! O pus da carne e o alerta de que algo não estava bem, ao ponto de explodir a qualquer instante como uma bomba escondida ou mentira bem contada.
Depois de alimentado e devidamente arrumado, parti para a mesmice de manhã de quinta-feira, sem muitos planos, só com o fone de ouvido a guiar os passos e os pensamentos. Os pés seguiam a melodia enquanto a alma decodificava as palavras em energia para abrir de verdade os olhos ainda sonolentos ou qualquer outra coisa produtiva.
Foi quando ouvi algo que me soou muito estranho. A voz rouca do aparelho falava de paixão, de estar disponível em arrepios e esperas, em prometer mudanças, de fazer concessões. Todos aqueles versos importados da gramática inglesa me pareiam verdadeiramente inflamados... A própria palavra paixão tinha inflamado os pensamentos a alguns poucos dias.
Então confundi a música amarela com o sinal de trânsito e quase me arrancavam as pernas despertando um barulho de pneu nas linhas pontilhadas de inflamação no asfalto. Aliás, distrações e diálogos metafísicos com os eus que convergem na divergência interior é luxo. Pelo menos é assim por aqui: Ou não se pensa em nada, ou lhe arrancam as pernas!
Voltando às calçadas de pedras desiguais e matos compreensíveis a se esquivarem na direção do sol, pensei não estar o amor inflamando ao se esquivar nos números do calendário. Mas não, como poderia? O amor não inflama, seu zé! Já é, por vida, amarelo-verde - Engano de quem pensa que ele é vermelho.
Foi quando alguns operários (não encontrei outra palavra para os descrever) carregavam um grande espelho em direção a uma casa de esquina muito bem apresentável. Ali, no vidro, não tinha mar, é verdade. Mas tinha céu, tinha árvores, pássaros, fumaça, pedras e edifícios de pedras espertas. E eram todos amarelos.
Ao me refletir, ainda que de relance, o espelho não mostrou nada além de uma mancha verde-amarelo como tinta que escorre ou acne explodida.
Eu segui então assim: Amareloinflamadopensante.