terça-feira, agosto 31, 2010

Falta de ar extraída de um artigo de jornal


Em uma época de eleições como a que presenciamos, é natural que se tenha esperança de que o país possa ser considerado desenvolvido em um futuro bem próximo. Esquecem, porém, que bem antes de querer um Brasil mais equilibrado economicamente, deveríamos lutar por um país mais humano. Parece que se esqueceram do que a muito nos ensinaram: o dever de fazer o bem fechando os olhos para as classes sociais e seus poderios econômicos, paras as cores e os credos, para as inimizades ou preconceitos. Perdeu-se no tempo o respeito.
Nesse contexto de desordem em que os indivíduos se sentem superiores aos outros embora pertençam a uma mesma espécie e vivam num mesmo espaço de tempo, morreu uma vida que não havia sequer aberto os olhos ou completado a sua gestação.
Uma adolescente de quatorze anos, grávida de poucos menos de seis meses, foi informada de que o seu bebê estava em uma posição de risco e que assim, seria preciso fazer um parto cesariano de emergência. Imagino então todos os familiares rezando enquanto enxugam as lágrimas de desgosto de uma suposta gravidez precosse e não planejada. Mas o desgosto já passou, tudo o que resta é rezar para que a mãe e a criança sobrevivam.
No fundo, entretanto, todos os que rezam também se preparam: o feto ainda não foi totalmente formado e não tem todos os mecanismos de sobrevivência para enfrentar o mundo desconhecido além-ventre e pode não ter pulmões fortes ao respirar. Ou quem sabe, com um pouco mais de pessimismo, a mãe quase criança pode ter alguma hemorragia de útero resistente de quem ainda teria mais quatro meses para crescer e completar o ciclo natural da vida, e também não resistir.
Mas trata-se de uma família pobre, de uma mãe adolescente e de um hospital público. Os médicos não se mobilizam, a tarefa é arriscada demais e exigiria um maior cuidado e experiência. Talvez por falta de candidatos ao parto, ele é designado a um estudante de médico supervisionado por uma médica professora - de descaso, bem se sabe.
Assim, as mãos estudantes de último período de medicina residentes do hospital público seguram o bisturí e cortam a barriga da matriz. Bastava que essas mãos tivessem estudado melhor o caso e teriam percebido que a cria não estava em posição normal... Rasgam, dividem as carnes, mutilam e atigem o feto nas costas, acertando-lhe a coluna.
Mas trata-se de uma família pobre, de uma mãe adolescente e de um hospital público. O corpo do bebê já sem vida é escondido dentro do próprio hospital e os familiares são impedidos de verem e ficarem com o cadáver que foi morto dentro do próprio casulo de cuidado. Claro a família é desinformada, daqui a alguns dias todos ja esqueceram do ocorrido. A avó da criança contudo, para a surpresa de todos convoca a polícia e tudo é esclarecido e espalhado aos quatro ventos.
Talvez se um médico comprometido tivesse feito a tal operação de parto, a criança estaria viva, e certamente conseguiria de deesenvolver em uma encubadora, lutando para recuperar os quatro meses perdidos... Talvez, se não faltasse amor pelo outro, respeito ou comprometimento com o próximo. Talvez, se o novo médico não confundisse a frieza de sua profissão com falta de caráter, quem sabe...

2 comentários:

Anônimo disse...

Admito que sempre optei por textos mais sublimes e mais distantes de minha realidade. Aquela fuga que me traz à tona aquilo que esqueço de mim.

Gostei de sua inovação 'prosa poética dissertativa', mas seu olhar simbolista pós-moderno me fascina e inspira a escrever. Sua face poética realista me entristece e me faz sentir paralítico.

Grande abraço de seu fã de muito tempo, aquele seu irmão de sempre, que não é de sangue, mas que te ama como tal

Caio Nunes disse...

Obrigado mesmo!
Não podia deixar de dizer que quem me inspira a escrever é vc, tb! o/