segunda-feira, outubro 31, 2011

Cantiguinha de Domingo



  Não escrevo mais uma linha só de bom agrado.
  Talvez foi a tristeza que eu perdi,
  Talvez foi a tristeza que se perdeu.

  Talvez eu faça uma cena
  Eu faça um samba
  Eu fale um poema;

  E eu rime e eu cante
  Hoje mais que antes.
  Sem saudade, sem vontade, sem problema.

  Talvez nem ligue.

  (E esse meu dom de terminar como se não tivesse terminado, como se já tivesse falado das flores e das cortinas que se abrem)

  Abre as cortinas pra mim,
  Que a andorinha está passando
  Que o dia não costuma esperar.

  Abre as cortinas e as coxias pra mim,
  Que Deus gosta de pregar peças
  Que o que é de bem não se esconde
  E não tem palco nem palhaço que não conte.

  Estou talvez a ouvir uma pitanga, enquanto a vida passa junto à nuvem. Pensando que o tempo é mesmo bom e o que o sol é um solo de xilofone. E o corpo e a alma seguem um estatuto da felicidade que ninguém disse. Minha vontade se conta e se distribui com o vento. O mesmo que me leva, que me rouba, que me deixa sem chapéu.


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quinta-feira, outubro 27, 2011

É COR QUE VEM DE DENTRO


Finalmente chuva. Os pés pisam o barro vermelho lamacento. Havia rachaduras no chão; ainda há rachaduras nos pés.

Os pés pisam e os olhos choram; quase tanto quanto as nuvens. Eles não parecem filhos deste chão. Mas quem parece, afinal?

Os pés pisam, os olhos choram e as mãos juntas rezam. Agradecem.Os lábios se erguem e os dentes saem. São amarelos os dentes, mas quem é branco, afinal?

Os pés pisam, param; os joelhos se dobram. De repente é como uma sinfonia ou uma cena decisiva de cinema. Há luzes de diversas cores, há um ritmo nordestino com marcações de pulso, há um coração de pulso forte e acelerado. As gotas grossas caem. E até quem está seco, até que está longe, até quem está surdo ouve um imenso obrigado tão grande quanto a chuva e quanto os olhos.
 
E os pés pausados que andam, de onde vêm? Agora para onde vão? Os pés pausados ficam. E faz-se o rancho, faz-se a vida.

domingo, outubro 23, 2011

DESPOLIDEZ

  
  Adoro neologismos. Raramente sou coeso - nos textos, nas frases, nos pensamentos. Raramente sou coeso nas ações. A vontade que dá de vez em quando é de jogar o que quer que esteja para o alto e gritar PORRA. Mas isso é minha vontade, e só minha (depois poderemos entrar nesse assunto Vontade). Meu vocabulário é escasso, inclusive o de palavrões. Não sou muito chegado a desafios, de modo que novidades complexas me botam medo. Tenho receio a novidade. Sou estudante de jornalismo.
  Fingo abandonar planos facilmente. Às vezes fingo fingir. Às vezes digo, fingindo, o que é verdade, oras! Sempre às vezes.
   Sempre às vezes? Pqp! Fico preso a frases de efeito.
   Honestidade é caso raro, as pessoas gostam de faits divers. Elas gostam é do estrago. Sou pessimista, às vezes. Mesmo. Mas amo as pessoas - quando eu digo não acreditam. É que eu vejo em todas infinitas possibilidades de entendimento. Se as pessoas se propusessem a entender o que as cercam, de entender a elas mesmas, de entender...
    Sou otimista, às vezes, mas deixo isso pro final. E tantas outras coisas que não se dizem por preguiça ou auto-polimento intrínseco e interiorizado. Tenho que manter os ótimos gráficos de visualizações do blog.
     Tá, isso é mentira. Não despolidez.
     
     
   

quinta-feira, outubro 20, 2011

FUSÃO PARCIAL DOS EUS



Só queria saber com quantas mãos se faz uma jangada...

Os indivíduos nascem de outros dois indivíduos. Mas dependendo da amplitude da visão, e da boa vontade de se olhar as árvores genealógicas, perceber-se-á que os indivíduos nascem de, pelo menos, outros 14 - contando com pais, avós e bisavós. Estes, por sua vez, nasceram de um número infinito de outros seres... é quase confundível com os algarismos do tempo.

Entretanto, os indivíduos crescem e se comportam como indivíduos em unidade solitária. De próprios umbigos o mundo está tão repleto que se julga impossível a existência de umbigos todos saciados, de modo que a cultura do ter é comum mesmo entro os umbigos que só têm fome - de comida, arte ou felicidade.

E antes que se fale em cultura do ser, é preciso voltar a falar em cultura do doar. Doar que está em doar-se. Compartilhar que está em receber, em moedas diversas e inomináveis.

Com quantas mãos se faz uma jangada?

Com duas mãos de um só umbigo, faz-se uma. Mas com uma só mão que serve a umbigos tantos e a indivíduos tortos ou direitos, faz-se o mar, uma jangada, e todos os peixes.

segunda-feira, outubro 10, 2011

Para os que Pensam que no Brasil Tudo Acaba em Samba


  "Parte sem todo, ainda é parte só. E embora pareçam completas, partes são partes, apenas.

   Não sei porque partes, morena, carregando o seu lado da mentira, se poderíamos ser dois polos da mesma verdade. E sendo dois em um, seríamos três ou seis bilhões, quem sabe.

   A parte só é parte quando assim se percebe. E a promoção só é verdadeira quando, em partes, é mesmo um só tudo - que é tudo e todo, de mãos dadas e erguidas."
 
   E assim que terminei de ler eu disse: "Gostou do meu textículo?". E ela gritou: "O QUÊ?", me estapeou e foi-se embora, tapeando que não tinha entendido.
 
   Depois me ligou umas sete vezes, pediu-me umas mil desculpas, e falou duas milhares de vezes que "Esse negócio de bancar a difícil estava muito fora de moda". Então me olhou de baixo para cima, jogou mais uma vez os cabelos para trás e disse: "Lê de novo para mim que eu aceito". E quando eu perguntei "O quê?", ela disse juntando as sobrancelhas: "Mas não tava falando em sexo?"
 
    (Esses tristes trópicos andam mesmo muito quentes!)

quinta-feira, outubro 06, 2011

VERBAL



E eu pensava que ela queria, eu queria e ela pensava, eu dizia e ela sorria.
E eu queria que ela quisesse, eu pensava e ela só pensava, eu sorria e ela dizia.
Mas ela pensava que eu não queria. Enquanto nós dois nos queríamos, só pensávamos, não nos dizíamos.
E eu sorria, só sorria.
Mas eu quis e eu disse, e ela já não mais queria. Na verdade ela nem disse – eu pensei que ela tinha dito porque não sorria.
Então eu não pensei, não quis, não disse mais e não sorri. E ela, pelo jeito, fez o mesmo!
Hoje ela pensa, quer, diz e sorri para outra pessoa que também pensa, quer, diz e sorri para ela. E os dois se conectam por qualquer outro verbo.
Enquanto eu deixei de pensar nisso, porque, se quer saber, eu não quero mais! Para ser sincero é isso o que eu digo - mas pelo menos sobrou o sorriso.