quarta-feira, setembro 22, 2010

Caso de Inflamação


Acordei e escorria um líquido amarelo-verde da minha unha do dedão do pé esquerdo. Lembrei-me então que faz uns dois dias havia nascido uma espinha enorme no lado direito do meu nariz, como um pircing ou zíper para o lado de dentro do corpo... E ao me olhar no espelho, a espinha estava igualmente amarela. Era a inflamação! O pus da carne e o alerta de que algo não estava bem, ao ponto de explodir a qualquer instante como uma bomba escondida ou mentira bem contada.
Depois de alimentado e devidamente arrumado, parti para a mesmice de manhã de quinta-feira, sem muitos planos, só com o fone de ouvido a guiar os passos e os pensamentos. Os pés seguiam a melodia enquanto a alma decodificava as palavras em energia para abrir de verdade os olhos ainda sonolentos ou qualquer outra coisa produtiva.
Foi quando ouvi algo que me soou muito estranho. A voz rouca do aparelho falava de paixão, de estar disponível em arrepios e esperas, em prometer mudanças, de fazer concessões. Todos aqueles versos importados da gramática inglesa me pareiam verdadeiramente inflamados... A própria palavra paixão tinha inflamado os pensamentos a alguns poucos dias.
Então confundi a música amarela com o sinal de trânsito e quase me arrancavam as pernas despertando um barulho de pneu nas linhas pontilhadas de inflamação no asfalto. Aliás, distrações e diálogos metafísicos com os eus que convergem na divergência interior é luxo. Pelo menos é assim por aqui: Ou não se pensa em nada, ou lhe arrancam as pernas!
Voltando às calçadas de pedras desiguais e matos compreensíveis a se esquivarem na direção do sol, pensei não estar o amor inflamando ao se esquivar nos números do calendário. Mas não, como poderia? O amor não inflama, seu zé! Já é, por vida, amarelo-verde - Engano de quem pensa que ele é vermelho.
Foi quando alguns operários (não encontrei outra palavra para os descrever) carregavam um grande espelho em direção a uma casa de esquina muito bem apresentável. Ali, no vidro, não tinha mar, é verdade. Mas tinha céu, tinha árvores, pássaros, fumaça, pedras e edifícios de pedras espertas. E eram todos amarelos.
Ao me refletir, ainda que de relance, o espelho não mostrou nada além de uma mancha verde-amarelo como tinta que escorre ou acne explodida.
Eu segui então assim: Amareloinflamadopensante.

3 comentários:

Anônimo disse...

Viajei legal nesse texto, pois remeti a várias memórias suas enquanto lia [tipo assim, psicografei tudo, fikdik].

Vc põe em xeque-mate o pensamento de que a obra pode ser vista fora do íntimo do autor.

Vc aprimora cada vez mais esse seu poder de transformar em pura beleza poética até os acontecimentos banais. Assim, ao meu ver, não existe acontecimento banal. Depende do ângulo que se vê.

Abração.

Isabellita ;) disse...

Poww, a pessoa aew de cima disse tudo!

Ps: essa espinha mexeu mesmo com vc neh,amigo?

Camiila Perete disse...

Realmente, essa espinha mexeu tanto com sua cabeça que virou um texto :DD
Muito legal a associação do amarelo e da inflamação com os assuntos cotidianos ;)