sábado, agosto 13, 2011

QUATRO OLHOS - final


Nenhum amor de bolso é decisivo. E nenhum amor desesperado acontece de fato.

Verdade seja dita: Simplicidade era, para o Calendário, um amor líquido, de bolso. Daqueles que derretem ainda mais quando faz sol, e escorrem como suor pelo corpo quente... Vocês não sabem o quanto é difícil guardar as coisas simples.  E os bolsos furam.

Do mesmo modo, e de um modo diferente, o Calendário era, para a Simplicade, um amor pulsante, ideal, antigo. Bem se sabe, platonismos e exageros não acontecem  porque se tornam o que há de mais importante na vida. A própria vida, então, se encarrega de que não aconteçam senão no mundo ideias.

Mesmo assim, o amor, sem predicativos, aconteceu mais uma vez entre os jovens.  Ela estava de férias na casa do Calendário em Pequenograndópoles. Os dois se divertiam sempre que possível. Lavavam a louça juntos, passeavam e compravam pão. Coisa de primos ou irmãos -duas coisas que quase não eram.
Simplicidade, que achava aquilo tudo fantástico demais, não hesitou em dizer sim quando o Calendário lhe chamou para ir ao cinema.

E os dois foram como duas folhas que se deixam carregar uma pela outra em meio ao vento. Lembraram, com muito pudor, dos beijos que de quatro olhos deram.
- Você, logo depois que foi embora, começou a namorar com aquela menina...
- Mentira!
-Foi sim. E o que mais me doeu foi saber que você tinha ido sem me dar um beijo de mais nunca.
Calendário tinha pavor de mais nuncas, como todo ser vivo que se preze.  Mas naquele mesmo dia, durante o filme, eles deram mais um beijo, sem nenhum olho. Apenas dois que logo se abriram.

Simplicidade voltou para sua terra, e durante um mês mais ou menos cobrou as fotos da viagem ao menino. Mas calendário era um ser vivo, apenas, e colocava todos os empecilhos possíveis para olhar em profundidade para o que quer que fosse. Pensou que revelar as fotos lhe tomaria muito tempo, e quando tentou o computador estava quebrado. É verdade que isso não é desculpa, mas ele era só um ser vivo. Tecnologia é para as máquinas.

Os dois então se encontraram mais uma outra vez em uma festinha de bairro. Ele com dor de cabeça, ela muito bonita.

Mas foi na véspera de um carnaval, com uma orquestra de frevo, que os dois se viram para mais nunca. Ela estava estranha, ele namorando outra.

Poderia dizer que ela sorriu e o abraçou, depois quis passear com outro homem perto do menino, mas não seria de todo verdadeiro. 

Acontece que meses depois, uma série de mentiras encontraram o Calendário em uma certa tarde.A primeira notícia foi: Simplicidade estava muito mal, hospitalizada. A segunda tratava da gravidade do seu estado. A causa ninguém sabia, mas as horas eram poucas.

A primeira verdade, ainda eufêmica, foi noturna. Ela estava morta desde a noite anterior. Foi morta e pronto. Os detalhes são tantos e tão controversos. São tantos e tão poucos. Carecem de provas porque Simplicidade carecia de dinheiro e de influencias. Alguns dizem que ela sofreu abuso, e que de um tiro só, a poucos metros de casa, foi morta. Sem gritos, sem nada.

Que céu é esse que agora é vermelho? Que mundo é esse em que os anjos são mortos dentro das próprias nuvens?

As lágrimas dele são hoje mais salgadas. Dizem que um pacote de fotografias foi encontrado em uma lápide de azulejos desiguais que não tem nome, nem foto, só um endereço: mais uma entre tantas, misturadas, no cemitério dos que carecem. E padecem. Apenas.

terça-feira, julho 26, 2011

É DE AMOR E DE PAZ QUE VIVE O HOMEM


Vez ou outra, com cada sorriso rápido que recebo, percebo e aprendo um significado universal e único. E todos os olhares sinceros me ensinam que não há nada mais nobre que o ato de se doar; de se entregar ao vento das próprias necessidades e de se unir também às necessidades que não me pertencem.

Não há nada mais nobre do que compartilhar as necessidades, como se todas fossem suas, e todas uma. Com um só desejo que é o espírito satisfeito.

Depois de tudo o que vi e ouvi por esses dias, eu amo todos os sorrisos como se fossem meus; amo toda a fome, como se já não tivesse saciado o meu estômago; amo todas as cáries, e por isso sou flúor; amo todas as lágrimas como se fossem cachoeiras e todas as sirenes como se fossem sinfonias.

Em alguma ladeira, com algum sorriso, iluminado por qualquer hora, alguém me ensinou que devo amar qualquer pessoa, porque em cada uma reside escondido a beleza infinita do Jesus abandonado.

segunda-feira, julho 18, 2011

A arte de traduzir-se em foto


Eu quero o olhar minucioso do fotógrafo. Aquele que calcula os ângulos, mede a luminosidade e em um clique certo, sob um foco certo, capta um segundo de beleza. Aquele mesmo que os olhos nus registram, mas que se perde em qualquer espaço entre a retina e o nervo óptico.

O olhar do fotógrafo revela o que o leigo não vê. Imprime sentimento e coisas mínimas em minimalismos sentimentais.

E uma foto tirada é um novo mundo criado. É quase um recorte, ou uma colagem de frases de opinião.

Mas se tivesse fotografia nos olhos, olharia somente para as pessoas. Então recortaria seus sorrisos e criaria mundos com os seus olhos. E todas em preto-e-branco como nuvens em céu nublado.

segunda-feira, julho 11, 2011

1+ 1 pode não ser dois




Sonho + Sonho continua sendo sonho, apenas. E as pessoas não se somam – misturam-se quando entrelaçam os dedos das mãos.

Aquilo que só existe no campo das idéias está fadado a morrer no primeiro suspiro. Para estar vivo é preciso que se queira com todas as forças, o resto é bobagem astrológica.

Não digo, porém, que é impossível ser dois. Mas difícil mesmo é 1+1 ser um só. Ai sim existe infinito, trilhares de algarismos, universo de possibilidades e pensamentos que não se escrevem.

quinta-feira, junho 30, 2011

E POR FALAR EM DRUMMOND


Dia desses perguntaram-me: “Se pudesse ser qualquer pessoa, viva ou morta, quem seria?” E eu respondi. Não digo que foi no calor do momento porque estava chovendo e aqui no Nordeste quando chove as pessoas sentem frio. Também não foi nenhuma surpresa, dado a freqüência com que perguntas desse tipo são feitas... Surpreendeu-me a minha resposta!

Quem eu queria ser? Muito fácil! Eu queria ser aquele moleque frustrado com o sorvete de abacaxi, que mais parecia uma sombra gelada de qualquer outra fruta que havia sido madura a mais ou menos três anos atrás.

Eu seria aquele moço meio torto, quase morto, o gauche da vida. E então teria pedras no meio dos caminhos, Josés para se perguntar as horas, ou simplesmente dizer: “E agora?”. Teria um coração tão grande quanto o mundo ou seria eu Raimundos sem solução!

Poderia então escrever “Moça, flor, email” e nunca ser tão óbvio ou finitamente preso, em finais de ponto e vírgula. Se pudesse ser, quem eu seria? O Carlos. Não precisava nem ser Drummond de Andrade.

E pensando bem, eu já sou gauche, sou meio torto, sou quase morto, mas sou Gustavo. Será que precisa ser Nunes Monteiro?

segunda-feira, junho 27, 2011

LIBERDADE E OUTROS VÍCIOS


Desconfio de que esteja reforçando o meu lado subjetivo a cada letra que por aqui se escreve. Desconfio também de que quebro assim todas as regras ou diretrizes que supostamente eu deveria seguir; livros dizem: “Objetividade é essencial” – mas está longe de ser essência.

Acostumei-me eu a ser fragrância, desconsiderando todos os elementos químicos que meticulosamente deveriam ser combinados. Perfumes feitos fedem. E também fedem os seres humanos, burgueses ou não. Apenas fui sendo fragrância pela livre intuição, essencialmente subjetiva e quase enigmática – eufemismo para quase nunca entendida.

Desconsiderei, portanto, que assim como o poder deve ser controlado pelo poder, a liberdade deve ser controlada por aquilo que é verdadeiramente livre: a própria liberdade, dom do Espírito, e só ela. Sou livre para mentir pensamentos, mas não posso deixar de assim proclamá-los. Eu minto verdadeiramente, depois minto que não era verdade, para depois mentir que me esqueci das mentiras e das verdades inteiras.

E os sentimentos, as idéias e as pessoas são passíveis de recriação, que também é uma forma de mentira. Criar, recriar, mentir, descobrir é ser livre. E objetividade ou subjetividade é uma questão dicotômica demais para toda essa liberdade que agora percebo. E eu confesso que detesto a falsa simplicidade das coisas dicotômicas ou a bipolaridade das pessoas simplistas – que melhor seriam descritas se fossem descobertas todas as suas inseguranças, que nada mais são do que suspiros sem liberdade.

Penso que o que falo pouco ou muito pouco é de interesse geral da nação, mas acho que tanto a insegurança das pessoas quanto as questões – só – dialéticas são apenas formas de controlar o incontrolável: os possíveis desdobramentos, também chamados de conseqüências ou bilhetes do destino. Os bilhetes, as pessoas e os pensamentos devem ser livres, por essência.

E a essência livre é o mais puro dos perfumes.

segunda-feira, junho 06, 2011

MEUS DIAS LINDOS (Porque Drummond, filho de uma mãe, já escreveu os dias lindos sem possessividade)



Tem dias que eu acordo e vejo notas musicais penduradas nas núvens. São dias realmentente muito lindos! É como se todos os olhares fossem metade bom dia, metade tranquilidade. E o remelexo quase bruto do ônibus, uma dança cósmica de batimentos cardíacos propagados pelos sete universos. As mãos que me pedem esmola parecem plumas, e quase dá para sentir o sorriso dos dedos para cada centavo que tilinta quando é fortemente agarrado.

É nesses dias que as piadas são absurdamente engraçadas – E mesmo as coisas mais sérias. É quando o riso não é transgressor, nem progressista, porque antes de ser riso é sorriso, identificação, juventude. Nos dias de notas musicais fáceis, a identidade é tão completa que nem a dúvida duvida. E os pássaros também cantam sorte em todos os fios elétricos da cidade. E se chove é uma sinfonia sintonizada de pessoas que compartilham guarda-chuvas.

Mas, se me pergunta, no fim desses dias o que eu ganho? Sono, oras! Dias lindos não se acumulam. E só são lindos porque passam, quase que simplesmente...

quinta-feira, maio 26, 2011

Contraindicado para os que não lêem seres humanos



Se existem pessoas diferentes é porque existem diferenças. E elas são simbolicamente anteriores a qualquer indivíduo – que se conheça, pelo menos.

Genética, Biologia, Sociologia, Economia, Bulimia, Anemia, Apatia? Não. As diferenças de caráter excludente são primeiras impressões. E são só isso! Quando se mergulha no outro, as semelhanças se tornam nítidas: mesmos sonhos, mesmos medos, mesmos sorrisos – diferentes ângulos, quem sabe... Clichês à parte, basta enxergar a semelhança “Ser Humano” para metade das diferenças parecerem mínimas, quase imperceptíveis.

É então que, passadas as surpresas do novo, jogar o jogo da relevância se torna necessário. O que é relevante? Beleza, inteligência? Etiqueta, inteligência? Carteira, inteligência? Sobrenome ou inteligência?

Têm coisas que se resolvem com oportunidade. Para outras existe maquiagem! E assim o mundo, cheio de pernas, anda. A “aurora é coletiva”, e “tudo marcha para a arquitetura perfeita”. Pedra ao lado de pedra – são mãos que se balançam.

E se por ti persistirem os olhares tortos, a bula deverá ser consultada. Não aquela de letras miúdas... A que se esconde em qualquer lugar perto do intestino e que grita todos os sentidos e contraindicações de que somos feitos.

terça-feira, maio 24, 2011

É COMPLICADO COMPLICAR-SE


Reprovei na anatomia dos sonhos.
Não sou muito bom em dissecar forma, separar estrutura de sentido, estudar o átomo e esquecer-se das ondas.
Ondas de mar ou de luz também me dizem respeito.
Sou infravermelho, raio-x, tsunami.

Reprovei pelo não entendimento-
Do sonho, do sentido, das minhas próprias vísceras.
Vidas de olhos e de vísceras inteiras ainda me dizem respeito.
Sou espera, promessa, cochilo breve.

E o espelho diz:
Entre as coxias e o palco há um espaço ridículo,
De homens e de olhos tortos sem refletores!

Mas acende-se um fósforo na alma e pronto: sorriso furta-cor.

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segunda-feira, maio 09, 2011

A MORTE DA BEZERRA ME INTERESSA


Nos dias muito claros, de pensamentos e nuvens brancas, qualquer movimento de folhas verdes – ou secas, que sejam – me diz respeito. É quando um cochicho de olhos semiabertos é quase tão real quanto a Teoria da Relatividade... Embora ache que há uma conspiração em cada sussuro.

O que não tem importância é quase tão divertido quanto abrir a boca enquanto se toma um banho de chuva – mesmo que não se beba um só gole d´água. E a morte da bezerra é como a pedra no meio do caminho que foi um dia notada por alguém sem destino. Não a grande pedra. Não aquela pedra. É a pedra chutada, atirada contra o pássaro, esquecida.

A morte da bezerra é a morte para o óbvio.



Obviamente!


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terça-feira, abril 12, 2011

SORRIR É UM ATO COMPLICADO


De uns tempos para cá ser feliz é tão obrigatório... Faz uns anos que o sorriso não é mais só expressão, é também mercadoria, produto – da pasta de dente, do condomíneo de casas, do carro zero kilômetros, do refrigerante vermelho e preto. As pessoas, assim como eu, são empurradas ao ato de sorrir, não importa o quão tristes ou apáticas estejam.

Mas o problema não é sorrir quando não se tem vontade, é sorrir quando se quer sorrir. Com quantos olhos se diferencia os que sorriem mesmo de felicidade? E os que usam óculos, coitados? Janelas da alma com vidro de proteção.

Se pudesse deixar algum aviso à sociedade sorriso de que sorrindo faço parte, diria: profundidade é lei – não importa se tu és riso alegre ou lágrima. Será que a verdade também vende um milhão de cópias?

domingo, abril 10, 2011

QUATRO OLHOS - parte III



Um, dois, três, quatro, cinco, escondiam-se todos e os dois sempre juntos. Um amor de bananeiras, mangueiras e dois meses de risos e promessas tão curtas quanto a vida parecia ser – e era. Final de férias, o calendário voltou para Pequenograndópoles.

E ele era vulnerável, perdia folhas, chegavam outras. Então, reencontrou alguém que não via a seis meses e também se juntaram em beijos de quatro olhos. Mas quando ele voltava às proximidas da terra de leite e mel e via Simplicidade em sua beleza quase infantil de frases gramaticalmente livres, percebia que já nao eram mais um – e que deixaram de ser sem nenhum aviso prévio.

Eles conversavam sobre quase tudo, e depois de dois CDs que o calendário fez questão de entregar à moça, seus tios assumiram que eram dois, heterogeniamente quebrados. Para vê-la então, teria que pedalar até as núvens altas ou mandar um recado via alguém que passeava em carroças de burro. Mas calendário era preguiça, ou amor a outras pétalas agora.

Foi-se um ano, e em Pequenograndópoles, a Rosa Urbana – de sobrenome, sim senhor – com quem juntava os olhos, estava fora de si desde uns tempos (ou quem sabe era ele, tanto faz!). Encurralou-o. Foi-se um ano. A rosa saiu ferida. O calendário sem algumas páginas. E quando parou o tempo, o Calendário quase parou, não fosse Simplicidade para lembrar-lhe que os dias independem das horas e que ele deveria viver mais de palavras e não apenas dos números. Não raro, o relógio se perdia, sem querer, ou as horas eram trocadas como em mágica nos pulsos do garoto. Ele nao gostava dos números... Ficava mesmo feliz quando liam a parte de trás de todas as suas folhas. O seu lado B. Simpatias, dias de santo e de trabalhador para alguns, um pouco míopes: segredo.

E agora então... Longe de mim querer encurtar a história, exaltar ou diminuir partes. Afinal, trata-se de pessoas! E as pessoas são bastante complicadas. Talvez, por isso, não tenho melhor maneira de mostrar-lhes o que aconteceu, senão com elas, as reticências.

...

Entenda-as porém como um ponto de interrogação, uma icógnita,ou um imenso espaço em branco. Ou melhor, apenas um imenso espaço. Não sei como recomeço, pois. Se fosse eu Clarice , e tivesse todas as folhes de liz do peito voltadas para a inteligência criativa que beira a exentricidade, poderia também começar com uma vírgula. Uma pequena pausa depois de tudo o que foi dito naqueles três pontos alinhados no papel. Mas não a sou.

E como também não sou Cecília poderia utilizar-me das aspas: “O amor é uma saudade constante, sem egoísmo nenhum”. E o calendário já não sabia o que amava, se era ao próprio amor, à saudade constante de trilhares de coisas juntas, ou ao egoísmo que não tinha. Amava sim, mas a sua própria existência. Passara dias sem ar com injeções de datas em suas folhas em branco. Mas era um calendário metalinguístico. Dava ao papel em branco de que era feito, a branquidão que se passava em seu conjunto inteiro.